O número de estelionatos dispara, motivado pelas fraudes eletrônicas. A jornalista Ana Paula Mendes mostra que, apesar dos investimentos, os bancos não conseguem acompanhar a velocidade dos golpistas. E quem sai perdendo é o consumidor.
Em outubro do ano passado, a professora aposentada de São Pedro da Aldeia, Maria José, de 76 anos, recebeu uma ligação de uma pessoa que dizia ser funcionária do banco onde ela era cliente há mais de 10 anos. Do outro lado da linha, a pessoa se identificou como gerente bancário e alegou suspeitas de fraudes na conta dela.
O suposto gerente mencionou transferências bancárias da conta de Maria José para outra pessoa que ela não conhecia. Ele também falou de uma compra em um supermercado que ela não frequentava, no valor improvável de mais de R$ 4 mil, e um saque de quase R$ 5 mil.
Após negar todas as transações, Maria José foi orientada a procurar uma agência do banco em Cabo Frio para verificar os cartões de crédito e débito e inspecionar o celular. O suposto gerente alegou que era preciso verificar se o aparelho não havia sido acessado remotamente.
Maria José informou que não poderia se deslocar. O "gerente" então disse que enviaria um funcionário para buscar o material na casa dela e garantiu que o telefone seria devolvido poucas horas depois, com um antivírus instalado. O tal funcionário compareceu, e Maria José entregou os cartões e o telefone celular. Só se deu conta de que era um golpe horas depois. O estrago já estava feito. O golpista movimentou cerca de R$ 60 mil de duas contas de Maria José. Havia um segundo aplicativo de banco instalado no telefone dela. Era o dinheiro da aposentadoria.
“Nenhum alerta foi acionado pela inteligência dos bancos, nada fora do normal foi detectado, nada foi feito. Levaram tudo, e pior, a saúde mental e emocional de minha mãe”, disse Antônio Pereira, filho de dona Maria José.
Maria José foi apenas mais uma vítima de um crime que disparou no estado do Rio a partir da pandemia da Covid-19: o de extorsão. A partir de 2020, as transações bancárias virtuais explodiram no Brasil, e as falhas na segurança dos bancos permitiram que os golpistas começassem a agir de forma mais eficaz e profissional. Só no ano passado, a Polícia Federal realizou mais de 50 operações de combate a fraudes eletrônicas, com mais de 100 prisões preventivas e mais de 60 temporárias.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública informou que as secretarias estaduais de Segurança contabilizaram mais de 200 mil ocorrências de estelionato eletrônico em 2023. O dado não inclui os números de seis estados (Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo).
Uma pesquisa realizada pela CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) para o SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) projeta que 7,2 milhões de consumidores sofreram alguma fraude em instituições financeiras nos 12 meses anteriores à aplicação do levantamento (feito no final de julho e começo de agosto de 2023). Na rodada anterior da pesquisa, feita em 2022, o número apurado foi de 8,4 milhões de consumidores. É um número maior que a população da cidade do Rio de Janeiro.
NÚMEROS NO RIO - De janeiro a maio deste ano, o Rio de Janeiro registrou cerca de 50 mil casos de estelionato. O número é 20% maior que no mesmo período de 2023. No interior, a Região dos Lagos e o Norte Fluminense lideram o número de casos, com cerca de 3 mil registros cada uma. No ano passado, o Rio registrou cerca de 100 mil casos de estelionato.
CONFIANÇA NOS BANCOS - O aumento no número de golpes eletrônicos afeta a confiança nas instituições financeiras. “O volume de fraudes e golpes começou a prejudicar a própria percepção do consumidor financeiro sobre a segurança e a confiabilidade do sistema financeiro”, disse Belline Santana, chefe do Departamento de Supervisão Bancária do Banco Central, em audiência na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados em 26 de outubro do ano passado.
Para o promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Glauber Tatagiba, os golpes bancários são “o principal problema na área financeira que temos no Brasil”. Tatagiba, que coordena o Procon/MG, lembra que os bancos comerciais foram o “assunto mais reclamado” e as falhas bancárias e transferências indevidas configuraram os “problemas mais reclamados” em 2023 no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec).
“O crime migrou junto com a pandemia. Até então, nós tínhamos ataques muito grandes às agências bancárias e a equipamentos de autoatendimento. Com a mudança forçada pela pandemia, hoje nós temos oito em cada dez transações totalmente digitais, totalmente eletrônicas, o crime migrou para cá também.”, disse Walter Faria, da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), na Câmara.
A irrupção do estelionato eletrônico exigiu “investimento maciço no sistema financeiro para a segurança e prevenção a fraudes”, relatou Faria. “Em tecnologia, o sistema financeiro investiu, em 2022, R$ 35 bilhões, sendo R$ 3,5 bilhões especificamente para prevenção a fraudes e para a segurança bancária.”
Em reportagem da Agência Brasil, a juíza Marília de Ávila e Silva Sampaio, que lida na segunda instância do Tribunal de Justiça do DF e Territórios com processos de estelionato eletrônico, disse que a segurança nas transações é responsabilidade dos bancos. “É obrigação do agente [financeiro] guardar e dar a devida segurança. O correntista confiou no sistema de segurança do banco a ponto de colocar o dinheiro lá. Então, se alguém tiver que pagar por isso [golpes e fraudes], quem tem que pagar é o banco, não é o correntista.”
Nossa produção entrou em contato com a Febraban e com o Banco Central. Mas não tivemos respostas.
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