Notícias falsas ou mal apuradas ganham destaque em diferentes plataformas de informação no interior do Rio. Princípios básicos, como confirmar dados com autoridades, são deixados de lado em nome de cliques e engajamento.
Dona Zélia Inês não se conformava com a notícia estampada num site de notícias. A informação era sobre um assassinato em Cabo Frio, na Região dos Lagos, acompanhada da foto da vítima, atingida por tiros na cabeça. A foto era bem explícita e mostrava o homem morto, com o rosto desfigurado, cheio de sangue. "Qualquer criança pode entrar e ver isso num site de notícias", disse a dona de casa.
São publicações assim que têm levantado uma discussão sobre a qualidade das reportagens jornalísticas divulgadas hoje em dia no interior do Rio. Na busca por engajamento e cliques, site e redes sociais de notícias estão apelando para o exagero e usando a violência explícita como chamariz. Quem usa o sensacionalismo como base para a divulgação de informações se beneficia, de alguma forma, até dos comentários negativos. Eles também são vistos pelos robôs que controlam os algoritmos como engajamento.
A situação fica ainda pior quando a informação não é apenas trabalhada para chamar mais a atenção de forma sensacionalista. Em alguns casos, as notícias são falsas ou apuradas de forma incorreta. Na semana passada, também em Cabo Frio, um homem foi acusado de matar por espancamento o dono de um quiosque da Praça da Cidadania, na área central. A foto dele foi até estampada com destaque, dizendo que se tratava do autor de um assassinato. Mas a perícia da Polícia Civil constatou que não houve espancamento. A hipótese mais provável é que a vítima tenha morrido por causa de mal súbito, após uma discussão com o suposto autor. Segundo testemunhas, durante a discussão, o dono do quiosque teria levado um soco. Mas a agressão está longe de ser um espancamento ou a causa da morte.
Ainda em Cabo Frio, em junho, o irmão mais velho de uma menina que morreu no hospital do bairro Jardim Esperança foi acusado de estupro. Ele foi obrigado a fugir do local onde mora para não ver vítima de violência. Os exames constataram que não houve abuso sexual. A causa da morte foi natural.
No Brasil, quatro em cada 10 pessoas afirmam receber notícias falsas todos os dias. Os dados fazem parte de um levantamento feito pela Poynter Institute, escola de jornalismo e organização de pesquisas americana, e conta com apoio do Google. Além do Brasil, foram entrevistadas pessoas dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Nigéria, Índia e Japão. A pesquisa contou com 8,5 mil participantes, mais de mil no Brasil. Dentre os que compartilharam acidentalmente informações erradas em algum momento, 43% dos brasileiros afirmaram já ter enviado um post, vídeo, imagem ou notícia e só mais tarde terem percebido que se tratava de fake news.
Outra pesquisa, do Instituto Locomotiva, mostra que quase 90% da população brasileira admite ter acreditado em conteúdos falsos. Sobre o conteúdo das notícias falsas que acreditaram, 64% era sobre venda de produtos, 63% diziam respeito a propostas em campanhas eleitorais, 62% tratavam, de políticas públicas, como vacinação, e 62% falavam de escândalos envolvendo políticos. Há ainda 57% que afirmaram que acreditaram em conteúdos mentirosos sobre economia e 51% em notícias falsas envolvendo segurança pública e sistema penitenciário.
Na opinião de 65% dos entrevistados, as notícias falsas são distribuídas com a ajuda de robôs e inteligência artificial. A cada dez pessoas, oito reconhecem que há grupos e pessoas pagas para produção e disseminação de notícias falsas.
O presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, defende medidas educativas como forma de combater a disseminação de conteúdos mentirosos. “Para enfrentar essa questão, há um desafio para as instituições públicas de formular estratégias que incluam a promoção da educação midiática e a verificação rigorosa das fontes de informação, para fortalecer a comunicação do país e garantir que a população receba informações precisas e confiáveis”, afirmou.
De acordo com a delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos do Rio, informações falsas podem configurar diversos crimes. Ainda segundo a delegacia, a Polícia Civil tem mecanismos para rastrear e identificar autores de conteúdos que têm como objetivo desinformar a população. As tipificações variam entre crimes contra a honra, difamação, calúnia e outros delitos, a depender do contexto da desinformação disseminada. Existe, ainda, a contravenção penal de "provocar alarme, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumultuo".
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