A violência no trânsito tem ganhado destaque nos noticiários do estado nas últimas semanas. Levantamentos mostram que a maioria dos acidentes é provocada por falha humana. E a jornalista Ana Paula Mendes vai além: falta gentileza nos moradores do Rio para evitar tragédias que devastam famílias.

Em Rio das Ostras, houve até protesto após a morte de Ana Clara Rampini, de 21 anos. Ela foi atropelada em Costazul. O motorista tentou fugir e foi preso com garrafas de bebida alcoólica no carro. Na mesma semana, em Campos, a estudante Mariany Alves Moreira, de 12 anos, estava na garupa da motocicleta do pai quando foram atingidos por um carro. A aluna do projeto Orquestrando a Vida chegou a ser socorrida, mas não resistiu. Poucos dias antes, no Rio de Janeiro, a professora Diana Campos foi arrastada por um carro na porta de casa devido a uma briga banal de trânsito e ficou gravemente ferida.
Três casos diferentes, registrados neste mês, mas que representam, para a jornalista Ana Paula Mendes, o tamanho da violência no trânsito no Rio de Janeiro. Só no ano passado, segundo o ISPTrânsito, 23 mil pessoas morreram ou ficaram feridas em acidentes no estado. É a população de cidades inteiras, como Quissamã e Itaocara. O número é 21% maior que no ano anterior. No índice de mortes, o Rio é o segundo do Brasil. O trânsito rouba vidas como a da jovem campista Mariany. "Vamos juntar os cacos e recomeçar", disse o tio, Leandro Alves. "A Mariany, em todos os dias presentes na instituição, demonstrava sua alegria, meiguice, doçura e carinho por todos. Uma grande perda para todos nós. Que sua passagem seja iluminada", publicou a ONG Orquestrando a Vida, do Criança Esperança, nas redes sociais.
A maior parte desses acidentes tem como causa o chamado "fator humano". Segundo dados de um estudo realizado pelo Ministério dos Transportes, 53,7% dos acidentes são causados pela negligência ou imprudência dos motoristas, seja por desrespeito às leis de trânsito (30,3%) ou falta de atenção do condutor (23,4%).
Entre as 10 principais falhas humanas que provocam acidentes, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal, estão a reação tardia, a velocidade incompatível, o uso de álcool e a falta de atenção.
Em Rio das Ostras, o uso de álcool pode agravar a pena do jovem de 19 anos que atropelou Ana Clara Rampini na madrugada do último dia 7. A jovem estava com a prima em uma motocicleta quando foram atingidas. O motorista tentou fugir, mas foi contido por testemunhas e agredido. Ele foi preso, e no carro a polícia encontrou garrafas de bebida alcoólica. Mas pagou fiança de R$ 10 mil e foi liberado. Ana Clara chegou a ser internada, mas não resistiu. A morte dela provocou uma grande comoção na cidade. A prima dela se recupera dos ferimentos.
"A família está devastada", disse o tio Durval Rampini. Indignada com a liberação do motorista após o pagamento de fiança, a mãe de Ana Clara, Sula Rampini, foi às redes sociais e até organizou um protesto para pedir rigor na punição. "Nada vai trazer minha filha de volta, mas não é possível que um motorista embriagado responda pela morte dela em liberdade". A família ainda diz que houve demora na realização do exame para constatar alcoolemia, o que teria provocado inconsistências no resultado. O motorista foi liberado por ser réu primário e vai responder por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, e lesão corporal culposa. Os crimes são agravados pela fuga do local do crime e pela embriaguez ao volante. A Polícia Civil não respondeu à reportagem sobre a denúncia de inconsistências no resultado do exame de alcoolemia. A reportagem não conseguiu contato com a defesa do motorista.
A falta de punição pode motivar a violência no trânsito. Um levantamento da USP (Universidade de São Paulo) mostra que de cada 22 mortes no trânsito, apenas um motorista é preso. A fiscalização também é questionada. O especialista em trânsito Walter Santos acredita que falta mais rigor no Rio de Janeiro. "Temos aqui irregularidades que não vemos em outros estados como algo comum. Aqui vemos motociclistas sem capacetes, motoristas sem cinto de segurança. Até pais levando filhos pequenos para a escola de moto, sem segurança alguma", disse.
Já o IPTD (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento) acha que é preciso melhorar o planejamento das vias. "O que chamamos de acidentes de trânsito são, na verdade, consequências da falta de um sistema planejado e pensado na segurança de todas as pessoas. O erro humano pode acontecer, mas o sistema de mobilidade deve ser pensado para que esses erros não causem ferimentos graves ou a morte de nenhuma pessoa", disse a diretora-executiva, Clarisse Cunha Linke. "A redução de 5% na velocidade média, por exemplo, pode resultar na diminuição de até 30% no número de mortes por sinistros de trânsito".
Mas os crimes no trânsito nem sempre envolvem acidentes. A professora Diana Campos foi agredida e arrastada por um carro após uma discussão no trânsito na Ilha do Governador, no Rio. Ela "fechou" um carro ao tentar entrar na garagem do prédio onde mora. Um casal que estava no veículo "fechado" desceu e iniciou a briga. As imagens do caso ganharam os noticiários nacionais e redes sociais. "Eu vinha dirigindo para minha casa e vi que ia passar pela minha garagem, então acelerei um pouquinho para entrar. Quando eu embiquei e abri o meu portão, vi que tinha alguém já me xingando. Saltaram do carro... Quando eu vejo, já estou sendo atacada, retirada do meu carro à base de socos. Um homem e uma mulher que não conheço. Foi uma violência, uma agressão por motivo fútil. Eu estou com medo", contou a professora. Ela teve vários ferimentos.
Um exemplo emblemático da falta de empatia no trânsito foi a morte da aposentada Maria Augusta Baião, de 68 anos, em Cabo Frio, em 2022. Após uma colisão na RJ-106, ela foi estrangulada pelo motorista que estava no outro carro. Rogério Oliveira da Silva, que na época tinha 32 anos, estava embriagado e foi preso.
Em São Pedro da Aldeia, em outubro do ano passado, o empresário Alexandre Dutra, de 49 anos, foi morto a tiros após uma discussão de trânsito. A mulher e a filha, de 21 anos, estavam com ele. O motorista que atirou ainda é procurado.
"Gentileza gera gentileza", diz a frase do Rio de Janeiro que ficou eternizada nos grafites do poeta. E talvez seja mesmo apenas uma frase no grafite ou nas estampas de camiseta. Porque no trânsito do Rio, a gentileza está passando longe.
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